Fiction + Racionais

Era um dia de Hip Hop. Dia quente. Dia caro. Open bar, para não perder o costume adquirido em alguns dias de feriado, beber, nem que seja refrigerante. Após algum tempo de black music norte americana, percebe-se uma batida, começou assim: "O que é O que é? Clara e salgada, cabe em um olho e pesa uma tonelada, tem sabor de mar, pode ser discreta, inquilina da dor, morada predileta.[...]". Ao som de Racionais mc's a "galera" dançava e cantava, entoando a imensa letra do grupo como se fosse uma oração. E é. Oração essa feita nas regiões mais afastadas do centro da cidade, conhecidas aqui como periferia. Findada a dita música, e após muita busca, pelo Dj, pela "batida perfeita", outra música me surpreende. Mentira, já esperava por ela. Um clássico. Como não seria colocada?! Levanto para gritar NEGRO DRAMA. E enquanto eu cantava prestava atenção nas cores, "cores de Almodovar, cores de Frida...", nas cores mesmo, reais, humanas, refletidas para meus olhos com tons sombrios, mas não chegavam a ser negras, e mesmo se fossem, não seriam da negritude social de que os versos falam. Não serei hipócrita de falar que não cantei, nem dancei ao som da baladinha grave, nem de dizer que não podemos gostar da música, etc. Não preciso dizer aqui que moro na periferia e já andei de skate para explicar algumas de minhas influências musicais, mas nunca me senti "em casa" ao recitar os tão conhecidos versos. O que fica, sempre, é a ironia da situação. Mas são tantas as situações irônicas que essa é só mais uma...E como diz o próprio poeta das ruas: "Problema com escola eu tenho mil, mil fita, inacreditável mas seu filho me imita. No meio de vocês ele é o mais esperto, ginga e fala gíria, gíria não dialeto. Esse não é mais seu, hó, subiu, entrei pelo seu rádio, tomei, cê nem viu, mais é isso ou aquilo, o que, senão dizia, seu filho quer ser Preto, rhá, que ironia." Para pensar...